Pronunciamento do Papa Francisco na Via Sacra em Copacabana 26/07

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Queridos jovens, Viemos hoje acompanhar Jesus no seu caminho de dor e de amor, o caminho da Cruz, que é um dos momentos fortes da Jornada Mundial da Juventude. No final do Ano Santo da Redenção, o Bem-aventurado João Paulo II quis confiá- la a vocês, jovens, dizendo-lhes: «Levai-a pelo mundo, como sinal do amor de Jesus pela humanidade e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção» (Palavras aos jovens [22 de abril de 1984]: Insegnamenti VII,1 (1984), 1105). A partir de então a Cruz percorreu todos os continentes e atravessou os mais variados mundos da existência humana, ficando quase que impregnada com as situações de vida de tantos jovens que a viram e carregaram. Ninguém pode tocar a Cruz de Jesus sem deixar algo de si mesmo nela e sem trazer algo da Cruz de Jesus para sua própria vida. Nesta tarde, acompanhando o Senhor, queria que ressoassem três perguntas nos seus corações: O que vocês terão deixado na Cruz, queridos jovens brasileiros, nestes dois anos em que ela atravessou seu imenso País? E o que terá deixado a Cruz de Jesus em cada um de vocês? E, finalmente, o que esta Cruz ensina para a nossa vida?

1. Uma antiga tradição da Igreja de Roma conta que o Apóstolo Pedro, saindo da cidade para fugir da perseguição do Imperador Nero, viu que Jesus caminhava na direção oposta e, admirado, lhe perguntou: «Para onde vais, Senhor?». E a resposta de Jesus foi: «Vou a Roma para ser crucificado outra vez». Naquele momento, Pedro entendeu que devia seguir o Senhor com coragem até o fim, mas entendeu sobretudo que nunca estava sozinho no caminho; com ele, sempre estava aquele Jesus que o amara até o ponto de morrer na Cruz. Pois bem, Jesus com a sua cruz atravessa os nossos caminhos para carregar os nossos medos, os nossos problemas, os nossos sofrimentos, mesmo os mais profundos. Com a Cruz, Jesus se une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem clamar, sobretudo os inocentes e indefesos; nela Jesus se une às famílias que passam por dificuldades, que choram a perda de seus filhos, ou que sofrem vendo-os presas de paraísos artificiais como a droga; nela Jesus se une a todas as pessoas que passam fome, num mundo que todos os dias joga fora toneladas de comida; nela Jesus se une a quem é perseguido pela religião, pelas ideias, ou simplesmente pela cor da pele; nela Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas, por verem egoísmo e corrupção, ou que perderam a fé na Igreja, e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos e de ministros do Evangelho. Na Cruz de Cristo, está o sofrimento, o pecado do homem, o nosso também, e Ele acolhe tudo com seus braços abertos, carrega nas suas costas as nossas cruzes e nos diz: Coragem! Você não está sozinho a levá-la! Eu a levo com você. Eu venci a morte e vim para lhe dar esperança, dar-lhe vida (cf. Jo 3,16).

2. E assim podemos responder à segunda pregunta: o que foi que a Cruz deixou naqueles que a viram, naqueles que a tocaram? O que deixa em cada um de nós? Deixa um bem que ninguém mais pode nos dar: a certeza do amor inabalável de Deus por nós. Um amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no nosso sofrimento e nos dá a força para poder levá-lo, entra também na morte para derrotá-la e nos salvar. Na Cruz de Cristo, está todo o amor de Deus, a sua imensa misericórdia. E este é um amor em que podemos confiar, em que podemos crer. Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele (cf. Carta enc. Lumen fidei, 16)! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra, porque Ele nos dá a esperança e a vida: transformou a Cruz, de instrumento de ódio, de derrota, de morte, em sinal de amor, de vitória e de vida. O primeiro nome dado ao Brasil foi justamente o de «Terra de Santa Cruz». A Cruz de Cristo foi plantada não só na praia, há mais de cinco séculos, mas também na história, no coração e na vida do povo brasileiro e não só: o  sofredor, sentimo-lo próximo, como um de nós que compartilha o nosso caminho até o final. Não há cruz, pequena ou grande, da nossa vida que o Senhor não venha compartilhar conosco.

3. Mas a Cruz de Cristo também nos convida a deixar-nos contagiar por este amor; ensina-nos, pois, a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor, sobretudo quem sofre, quem tem necessidade de ajuda, quem espera uma palavra, um gesto; ensina-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro destas pessoas e lhes estender a mão. Tantos rostos acompanharam Jesus no seu caminho até a Cruz: Pilatos, o Cireneu, Maria, as mulheres… Também nós diante dos demais podemos ser como Pilatos que não teve a coragem de ir contra a corrente para salvar a vida de Jesus, lavando-se as mãos. Queridos amigos, a Cruz de Cristo nos ensina a ser como o Cireneu, que ajuda Jesus levar aquele madeiro pesado, como Maria e as outras mulheres, que não tiveram medo de acompanhar Jesus até o final, com amor, com ternura. E você como é? Como Pilatos, como o Cireneu, como Maria? Queridos jovens, levamos as nossas alegrias, os nossos sofrimentos, os nossos fracassos para a Cruz de Cristo; encontraremos um Coração aberto que nos compreende, perdoa, ama e pede para levar este mesmo amor para a nossa vida, para amar cada irmão e irmã com este mesmo amor. Assim seja!

A maternidade segundo o espírito

Excelente reflexão sobre a maternidade.

Suma Teológica - Summae Theologiae

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Santa Teresa Benedita da Cruz – Edith Stein,

Deutsche Bundespost (1983)

Carta Apostólica Mulieris Dignitatem

Sumo Pontífice João Paulo II, 1988

[nº21]

A virgindade no sentido evangélico comporta a renúncia ao matrimônio e, por conseguinte, também à maternidade física. Todavia, a renúncia a este tipo de maternidade, que pode também comportar um grande sacrifício para o coração da mulher, abre para a experiência de uma maternidade de sentido diverso: a maternidade «segundo o espírito» (cf. Rm 8, 4). A virgindade, de fato, não priva a mulher das suas prerrogativas. A maternidade espiritual reveste-se de múltiplas formas. Na vida das mulheres consagradas que vivem, por exemplo, segundo o carisma e as regras dos diversos Institutos de caráter apostólico, ela poderá exprimir-se como solicitude pelos homens, especialmente pelos mais necessitados: os doentes, os deficientes físicos, os abandonados, os órfãos, os idosos, as crianças, a juventude, os encarcerados, e, em…

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Maria no Evangelho

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Não acompanharemos aqui passo a passo todos os “evangelhos de Maria”. Debruçar-nos-emos apenas sobre alguns textos evangélicos, guiados pelo desejo de captar o que acima se mencionava: que nos diz Deus de Maria? O que é que Ele pensa e quer dela? Simultaneamente, guiar-nos-á o propósito de verificar se a devoção a Maria, tal como a vivem os fiéis católicos, está em sintonia com a vontade de Deus. Para este fim, parece-nos especialmente esclarecedor, como ponto de partida, meditar a narração de São Lucas sobre a Visitação de Maria a sua prima Santa Isabel.
Quando Maria se encaminhou à casa de Isabel, ainda soavam nos seus ouvidos e no seu coração os ecos da mensagem da Anunciação. No seu seio, o Verbo – a segunda Pessoa da Santíssima Trindade – já se fizera carne. Ela era mãe e, em seu corpo virginal, trazia Deus feito homem, formava-lhe um corpo.
Por uma alusão incidental do Anjo Gabriel na Anunciação, Maria tomou conhecimento de que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês daquela que se dizia estéril (Lc 1,36).
A sua reação imediata foi pensar que Isabel precisaria de ajuda. E é por isso que vai sem demora oferecer o seu auxílio à prima idosa, que se preparava para a primeira experiência da maternidade: Levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel (Lc 1, 39-40).
Até aqui, o Evangelho apresenta uma cena de delicada caridade. Mas, a partir desse momento da narrativa, a cena familiar do encontro das duas mulheres eleva-se a um plano diverso, ganhando uma significação inesperada. Deus intervém. São Lucas descreve o que se passou com os acentos do imprevisto: “Aconteceu”, diz. Passou-se algo que não era esperado. Aconteceu que, apenas Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seu ventre e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse… (Lc 1, 41-42).
Não há a menor dúvida de que o Evangelho mostra neste texto que Deus vai falar por boca de Isabel. Vai falar como o fizera pelos Profetas, cheios do Espírito Santo; e todos sabemos que a voz dos Profetas era a voz de Deus: Deus falou outrora muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais pelos Profetas – assim começa a Epístola aos Hebreus (1, 1). Agora dispõe-se a falar de novo.
Pensando bem, o que é que seria lógico esperar dos lábios de Isabel, quando o Espírito Santo a invade – a ela e ao filho que traz nas entranhas –, inundando-a da alegria de receber em sua casa o Salvador de que Maria é portadora, o Messias esperado por séculos e séculos a fio, o próprio Deus habitando entre os homens?
Em princípio, seria razoável esperar que, perante um fato de tal transcendência, Isabel – movida pelo Espírito Santo – entoasse um cântico de adoração e de agradecimento ao Deus, Senhor de céus e terra, que se dignava chegar a sua casa. Diante da presença do Deus vivo, tudo se obscurece, todas as criaturas passam a um segundo plano, como sombras que, quando muito, refletem tenuemente os raios do Sol divino.
Certamente Isabel louva o seu Senhor e exulta nEle em alegre agradecimento. Mas a verdade é que todas as palavras que pronuncia são – do começo ao fim – um louvor e uma glorificação de Maria. É Deus quem fala por ela – precisamos repisá-lo –, e em conseqüência essas palavras inspiradas expressam o que Deus nosso Senhor “pensa” e “quer dizer” daquela que escolheu como Mãe.
Prestemos atenção ao texto do Evangelho: …Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Exclamou ela em alta voz e disse: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas (Lc 1, 41-45). Cada palavra, cada frase, tem um peso.
Se acompanharmos o ritmo das expressões de Isabel, na sua seqüência linear, perceberemos logo que começam com um louvor a Maria, que identifica a Virgem com a mulher abençoada por Deus de uma forma única entre todas as mulheres; e que se segue um louvor a Cristo, mas a Cristo contemplado através de Maria, precisamente como filho dela: “bendito o fruto do teu ventre”. Esta é a primeira palavra que Deus profere sobre Nossa Senhora por intermédio de Isabel.
Lê-se a seguir uma segunda frase, cujo significado é este: a proximidade de Maria, a presença e a conversa com a Virgem, é um bem, é uma bênção para a alma a quem Ela se chega. “Donde me é dado que a mãe do meu Senhor venha ter comigo?” Isabel sente-se beneficiada por um dom imerecido. Não se limita a agradecer à sua parenta a atenção que está tendo com ela; se se sente honrada, para além de todo o merecimento, é porque recebeu a visita da “Mãe do meu Senhor”. É isto justamente o que a comove: que, diante dos seus olhos, está a Mãe de Deus, e a Mãe de Deus é portadora das bênçãos do céu.
Esta referência emocionada de Isabel ao dom, ao benefício recebido pela visita da Mãe do seu Senhor, torna-se ainda mais explícita e clara nas palavras que profere a seguir, com a fluência de um cântico: “Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre”.
Só entenderemos cabalmente esta frase se não esquecermos que, pouco antes, São Lucas já se referira a um duplo efeito – um duplo dom – produzido pelas palavras de “saudação” proferidas por Maria: por um lado, a alegria sobrenatural de João Batista, que saltou no seio de sua mãe; por outro, a efusão do Espírito Santo na alma de Isabel. É da maior importância perceber que esse duplo dom, conforme diz o Evangelho, tenha sido concedido por Deus em virtude da presença de Maria.
O texto, com efeito, expressa uma autêntica relação de causalidade entre a chegada de Maria, a voz de Maria, e os dons divinos derramados na alma de Isabel e do seu filho. Tudo aconteceu “apenas Isabel ouviu a voz de Maria”, “logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos”, e aconteceu “por isso”. Aqui não se está falando de sentimentos ou de reações emocionais subjetivas – do estado psicológico provocado humanamente pela visita de Maria –, mas de uma iniciativa divina, de uma ação direta de Deus sobre Isabel – “ficou repleta do Espírito Santo” –, que o Evangelho vincula a Maria como causa instrumental. Deus agiu por intermédio dEla.
Também encerram uma grande riqueza as últimas palavras pronunciadas por Isabel. Trata-se de um novo louvor: “Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas”. Se esta frase não se encontrasse no Evangelho, provavelmente acharíamos excessivo o que ela diz. Surpreendentemente, Isabel – Deus por ela – afirma sem ambigüidades que “as coisas que da parte do Senhor foram ditas a Maria” se cumprirão porque Ela acreditou.
Ora, o que é que são essas coisas ditas da parte do Senhor, senão as que pouco antes o Anjo Gabriel anunciara à Virgem? Darás à luz um filho…, será grande, será chamado Filho do Altíssimo…, reinará sobre a casa de Jacó eternamente, e o seu Reino não terá fim (Lc 1, 31-32). Sem dúvida, as “coisas que foram ditas” são, nem mais nem menos, o plano divino da Redenção da humanidade através da Encarnação, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.
Então, também é fora de dúvida que Isabel afirma que este plano se há de cumprir porque Maria acreditou, isto é, porque abraçou com fé e confiança plenas o convite de Deus para ser a Mãe do Redentor. Isto significa que Deus, em seus desígnios imperscrutáveis, quis fazer depender a Redenção da humanidade, de algum modo, da colaboração de Maria. Por outras palavras, Deus quis contar com a Virgem Santíssima, não como simples instrumento passivo, mas como parte ativa e colaboradora livre da obra da Redenção.
Estas considerações simples abrem-nos desde já como que uma janela, através da qual podemos contemplar o mistério de Maria a partir da perspectiva de Deus, e, simultaneamente, permitem-nos avaliar – segundo a mesma perspectiva – o sentido da devoção que o povo cristão dedica a Maria Santíssima. Na verdade, esses “pensamentos” de Deus são verdadeiros focos de luz, que iluminam por dentro os mistérios da vida e da vocação de Nossa Senhora.

(Padre Faus, Maria, Mãe de Deus, Ed Quadrante)

Catequese Bíblica (IX): Tobias, Judite e Ester

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, prosseguimos na análise dos livros históricos, examinando os livros de Tobias (Tb), Judite (Jt) e Ester (Est).

Os livros de Tobias, Judite e Ester pertencem a um gênero literário próprio: o midraxe – que propõe uma história realçando os aspectos edificantes e moralizantes da mesma, para formação espiritual dos leitores. Estes livros se referem a episódios concernentes apenas a uma parcela do povo, e não são situadas historicamente com precisão, o que inclusive trouxe dúvidas acerca de sua inspiração divina, posteriormente dirimidas.

O livro de Tobias conta a história de um certo homem da tribo de Neftali, Tobite, que foi exilado para Nínive, na Assíria, com sua família; dedicava-se à caridade para com seus compatriotas, tendo sido acometido por cegueira; a esposa, então, o menospreza. Na mesma época, em Ecbátana, na região Média, uma parente de Tobite, Sara, sofria opressão de um demônio, sendo caluniada de homicídio, mas orava a Deus de forma confiante.

Reduzido à pobreza, Tobite enviou seu filho Tobias à Média, a fim de cobrar uma dívida. Ao sair de casa, o jovem Tobias encontra o anjo Rafael, que se oferece para guiá-lo na estrada. Durante a viagem, o anjo persuadiu Tobias a guardar coração, fel e fígado de um peixe que o atacara; a seguir, passando por Ecbátana, promove o casamento de Tobias com Sara, que é libertada do demônio quando o esposo, na primeira noite, queima o fígado e o coração do peixe na câmara nupcial. Rafael foi buscar o dinheiro e reconduz o jovem casal à casa de Tobite. Tobias, então, mais uma vez por orientação de Rafael, curou com o fel do peixe os olhos do pai.

O livro pretende mostrar a Providência de Deus para com o homem fiel posto em aflição e apresentar aos leitores um modelo de observância da Lei de Deus, com numerosas exortações à piedade e à prática de boas obras. Além disso, destaca-se a figura do anjo Rafael, como guarda, curador (8,3; 12,15) e intercessor (3,16; 12,2).

Judite era uma viúva israelita que vivia na cidade de Betúlia, cidade ameaçada pelo exército de Nabucodonosor, chefiado pelo general Holofernes. O pagão Aquior tenta dissuadi-lo, pois sabia que o Deus de Israel defende o seu povo. Os judeus de Betúlia estavam prestes a render-se quando Judite resolveu intervir para defender seu povo. Após orar fervorosamente, revestiu-se dos seus mais preciosos ornamentos e entrou no acampamento inimigo, encantando todos os guardas por sua formosura. Holofernes então manda que ela resida perto de sua tenda. Quatro dias depois, o general assírio, apaixonado, deu um banquete e convidou Judite (12, 10-20). Embriagado, a sós com Judite em sua tenda, cai no sono. Ela então cortou-lhe a cabeça e com ela retornou a Betúlia, o que fez os assírios baterem em retirada e levou à conversão de Aquior.

A finalidade do livro era avivar a fé de Israel no seu Deus, que é capaz de libertar seu povo das calamidades, desde que este se mostre fiel à Aliança. Os meios que salvam Betúlia são espirituais; uma viúva munida somente das forças que a oração e o jejum lhe conferem. A viuvez como estado de consagração a Deus foi sendo estimada em Israel nas proximidades da era Cristã; atualmente a Igreja vê em Judite, mulher fortalecida pela graça de Deus, uma figura de Maria Santíssima.

Nabucodonosor, o “senhor de toda a terra” (Jt 2,5) encarna o adversário de Deus, que resta vencido, como um prenúncio da vitória do bem sobre o mal (16, 2-21). Também se verifica no livro a proposta universalista, através da conversão de Aquior.

O livro de Ester fala de outra judia que, por sua castidade e piedade, se tornou instrumento e libertação para o povo de Deus. O rei Assuero repudiou a rainha Vasti, que foi substituída por Ester, judia, prima órfã de um judeu chamado Mardoqueu, que residia em Susa (pérsia) e servia na corte do rei (2, 1-20).

Mardoqueu pediu a Ester que intercedesse junto a Deus e ao rei pela salvação do povo judeu, que havia sido condenado por um decreto do rei. Após ter jejuado e orado, ela e os judeus de Susa, por três dias, Ester convidou o rei e Amã para um jantar (5, 1-5), ao qual compareceu bem vestida e adornada. Ajudada pela Providência Divina, em um novo jantar consegue um outro decreto, concedendo aos judeus a faculdade de se defenderem de seus opressores no dia previsto para seu extermínio. Amã foi enforcado por ordem de Assuero (5,6-8, 14). Em consequência, os filhos de Israel causaram muitas baixas entre os persas. Para comemorar o acontecimento, Mardoqueu instituiu a festa anual de Purim (9, 20-32).

Note-se a presença de antíteses por todo o livro: Vasti (repudiada) x Ester (exaltada); Amã (exaltado, depois condenado) x Mardoqueu (desprezado, condenado e por fim, exaltado); dois decretos, um contra e outro a favor dos judeus; dois banquetes oferecidos por Ester, para Amã, significaram humilhação e morte, para Mardoqueu, a passagem da morte para a glória.

O livro a princípio foi escrito para levantar os ânimos dos judeus, que, após o exílio, viveram sempre sob domínio estrangeiro. Seu ensinamento perene é que a Providência rege os acontecimentos e cumpre seus desígnios, mesmo que tudo pareça indicar o contrário (Est 4, 13-17).

Durante o mês de agosto, suspenderemos nossa catequese bíblica, para, a pedido de nosso pároco, realizarmos um estudo sobre a família. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; Curso Bíblico Catequisar.com.br (Tobias, Judite e Ester).

Catequese Bíblica (VIII): 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, prosseguimos na análise dos livros históricos, examinando os livros de Crônicas (1 e 2 Cr), Esdras (Esd) e Neemias (Ne).

Estes livros constituem um conjunto chamado “obra do cronista” que percorre a história da humanidade desde Adão até a restauração do povo em sua terra após o exílio (sec. V a. C).

As Crônicas visam apresentar a grande história do povo de Israel, com destaque para as tribos de Judá (do Rei Davi), Levi (sacerdócio) e Benjamim (em cujo território se encontrava o templo). O enfoque do livro é mais teológico que histórico, o que explica diversas omissões, sobretudo quanto aos pecados de Davi e Salomão. Apresenta o reino ideal, sintetiza o passado, o presente e o futuro, projetando na época de Davi toda a organização cultual que conhece. A leitura das Crônicas nos mostra a situação e as preocupações da época pós-exílio.

Os livros podem ser divididos em quatro etapas: De Adão a Davi, Reinado de Davi (preparação da construção do templo), Reinado de Salomão e Reis de Judá. A sua teologia gira em torno do protagonismo da dinastia Davídica na história de Israel, dando relevo ao culto e ao templo.

O propósito central das Crônicas é ensinar que a fidelidade a Deus se manifesta no cumprimento da lei e na regularidade de um culto animado pela verdadeira piedade. Seu ensinamento sobre a primazia do espiritual e sobre o governo divino sobre todos os acontecimentos do mundo tem valor perene.

Os livros de Esdras e Neemias relatam os acontecimentos relativos ao retorno do povo exilado na Babilônia para a Terra Santa e à restauração da vida religiosa e civil deste povo (aprox. 538 a 430 a.C), procurando sempre datar os fatos, através de narrativas históricas.

No momento em que o edito de Ciro (538 a.C) autoriza os judeus a regressarem a Jerusalém para construir o templo, o retorno inicia imediatamente, mas o povo enfrenta problemas: A Terra de Judá estava ocupada por estrangeiros, que se opunham à reconstrução da cidade e do Templo de Jerusalém; os vizinhos, de Samaria, hostilizavam os recém-chegados; o contato com os estrangeiros, especialmente os casamentos mistos e as relações comerciais, punham em risco a fé dos judeus; além disso, havia escassez de bens materiais, o que levava muitos ao crime e ao desânimo. O povo foi superando, devagar, estes obstáculos, exortados pelos profetas Ageu, Zacarias e Malaquias, e chefiados por Esdras e Neemias.

O livro de Esdras divide-se em duas partes: Construção e dedicação do Templo (Es 1, 1-6,22; 5,1-6,22) e reforma moral do povo (Es 7, 1-10,44), em especial a separação dos casamentos mistos. O livro de Neemias também pode ser dividido em duas partes: Reconstrução das muralhas e da cidade de Jerusalém (1,1-7,22) e reforma religiosa e social do povo, com a renovação da aliança.

Neemias era copeiro de Artaxerxes e consegue do rei a missão de ir a Jerusalém para reconstruir as muralhas. Após a conclusão da obra, que sofreu diversos entreveros e oposições, é nomeado governador. Após ter voltado à Pérsia, retorna para uma segunda missão, a fim de reprimir algumas desordens que já tinham se introduzido na comunidade (Ne 13,4-31).

O destaque maior é a figura de Esdras, escriba encarregado dos negócios judaicos na corte da Pérsia, no tempo de Artaxerxes, que concedeu-lhe plenos poderes para realizar a reorganização de Judá a partir da Lei de Moisés, que impõe ao povo. Por ter compilado os escritos do Antigo Testamento e renovado a Aliança com Javé após a restauração de Jerusalém, é chamado o “pai do judaísmo”.

A palavra chave para a compreensão de Esdras e Neemias é restauração. Essa restauração teve capital importância na história do povo eleito: é o nascimento do Judaísmo propriamente dito, com uma noção transcendental de Deus e mais rigor quanto à observância da Lei Mosaica, em especial pelos fariseus.

Nestes livros se verifica também a noção de povo consagrado, eleito, separado dos outros povos, criado para guardar a Lei de seu Deus, bem como a presença da mística dos “pobres de Deus”, mansos e humildes, confiantes na providência divina, e de uma expectativa cada vez mais viva da chegada do Messias.

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de Tobias, Judite e Ester. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; Curso Bíblico Catequisar.com.br (Cronicas, Esdras e Neemias).

Catequese Bíblica (VII): 1 e 2 Reis

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, prosseguimos na análise dos livros históricos, examinando os livros de Reis (1 e 2 Rs).

Estes livros, que a princípio constituem uma só obra, narram a história de Israel desde Salomão até o exílio babilônico (587-538 a.C). Contém os momentos mais significativos da história de Israel: o apogeu da monarquia sob Salomão, sua divisão em dois reinos rivais (o de Samaria e o de Judá), a queda de ambos, a destruição da cidade santa de Jerusalém e o exílio na Babilônia. Ademais, retrata a época dos grandes profetas (Elias, Eliseu, Amós, Oséias, Isaías, Jeremias, Ezequiel).

A história narrada nos livros de Reis divide-se em três partes: Reinado de Salomão, auge e decadência (1Rs, 1, 1-11,43); Separação e história dos dois reinos separados, o de Israel (Samaria ou Efraim) ao norte e o de Judá ao sul, até a queda de Samaria e a deportação dos habitantes desta (1Rs, 12 – 2Rs, 17,41); História do reino de Judá até a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico (2Rs, 18, 1-25,30).

Importante lembrar que, tal como os livros de Josué, Juízes e Samuel, 1 e 2 Reis são fruto de uma visão histórico-teológica que entendia que os acontecimentos históricos são orientados por Deus, para cumprimento do seu plano de salvação. Os reveses sofridos pelo povo eleito são vistos como sinal da justiça divina: aconteceram porque a maior parte dos seus reis fez "o que era mau aos olhos do SENHOR". O pecado aí mencionado refere-se principalmente à tolerância e aceitação dos cultos prestados a deuses estrangeiros (1 Rs 11,1-10.33; 14,22-24); mas também caracteriza os atos de culto a Javé, realizados em santuários fora de Jerusalém (1 Rs 12,26-33). Este é o pecado de Jeroboão, frequentemente referido (1 Rs 13,34; 14,16; 15,30; etc.).

Os reis são apresentados e julgados com base na sua atitude frente à Lei do Senhor. Os reis da Samaria (reino do norte) são condenados em bloco por terem seguido o modelo de Jeroboão, que proclamou a separação. Os reis de Judá são avaliados tendo como modelo Davi, o “rei segundo o coração de Deus”, e classificados como bons ou maus.

A tese teológica central do livro está em 2Rs 17, 7: “Isso aconteceu porque os israelitas pecaram contra Iahweh seu Deus, que os fizera subir da terra do Egito, liberando-os da opressão do Faraó, rei do Egito”.

Salomão era filho do rei Davi, e foi designado para sucedê-lo, tendo sido o último rei a governar Israel como uma só nação. A narrativa de Reis exalta a grandeza do seu reinado, a sua sabedoria e riquezas. No entanto, não deixa de apontar seus insucessos como castigo para os seus pecados, especialmente a admissão de cultos pagãos por condescendência com mulheres estrangeiras (1Rs 11, 1-43).

Na história religiosa do antigo Israel, os profetas tiveram grande relevância, com seus ensinamentos e sua pregação. Entre eles, surge a figura de Elias, cujo nome significa “o Senhor é meu Deus”. De fato, toda a sua vida foi consagrada inteiramente a provocar no povo o reconhecimento do Senhor como único Deus. De Elias o Eclesiástico diz: ‘O profeta Elias surgiu como o fogo, e sua palavra queimava como tocha’ (Eclo 48,1)”.Teve um encontro com Deus no Monte Horeb, tal como Moisés (1Rs 19, 9-18). Relacionados pela Teofania (manifestação de Deus) no Horeb, Moisés e Elias estarão presentes na Teofania do Novo Testamento, a Transfiguração (Mt 17, 1-9p). Em um episódio extraordinário, Elias desafiou os profetas de Baal para defender a causa do único Deus (1Rs 18) e levar o povo à conversão.

Eliseu, discípulo de Elias, foi profeta popular e autor de milagres (1Rs 19, 19-21; 2Rs 2, 1-25; 3,9-9,13).

O que os livros dos Reis têm a ensinar ao homem de hoje? Eles nos relembram “a prioridade do primeiro mandamento: adorar somente a Deus. Onde Deus desaparece, o homem cai na escravidão de idolatrias, como mostraram, em nossa época, os regimes totalitários[…]”.[1]

Hoje em dia a vida de muitos gira em torno da busca de bem-estar e prosperidade, o que leva o homem a distorcer a sua relação com Deus, imaginando-o unicamente como provedor de bens materiais e realizador de desejos. É a inversão do cristianismo, a atualização da mentalidade pagã que coloca a divindade a serviço dos seus próprios interesses.

Devemos ouvir e acolher os ensinamentos da Igreja de Cristo, a fim de que nosso coração se converta e se volte para Deus com o verdadeiro espírito adorador: “seja feita a Vossa vontade”!

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de 1 e 2 Crônicas, Esdras e Neemias. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; Curso Bíblico Catequisar.com.br (Reis). Notas: [1] Catequese do Papa: A Oração de Elias e o Fogo de Deus (SS Bento XVI)

Catequese Bíblica (VI): 1 e 2 Samuel

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, prosseguimos na análise dos livros históricos, examinando os livros de Samuel (1 e 2 Sm).

Estes livros fazem parte de um projeto histórico-teológico maior, que tem quatro etapas: conquista da terra (Josué), confederação tribal (Juízes), instituição da monarquia (Samuel), desenvolvimento e final dramático da monarquia (Reis). Na realidade, a presença de Samuel limita-se à primeira parte do primeiro livro, sendo Saul e Davi os protagonistas do resto da obra.

Os dois livros de Samuel continuam a história narrada por Juízes, a partir da figura de Eli, sacerdote e juiz, até o final do reinado de Davi, passando por Samuel e Saul, ou seja, desde 1.050 até 970 a.C. Os inimigos ameaçavam as tribos, faltava um chefe único que mobilizasse todo Israel e garantisse tanto a unidade nacional como a fidelidade religiosa das tribos.

O povo pede a Samuel um rei (1Sm 8, 5), e apesar de alertados por Deus – por meio de Samuel – dos inconvenientes da realeza (como os tributos e o custo de manter uma corte, por exemplo), o povo ainda assim deseja um monarca, no que Deus então assente (1Sm 8, 22). Os modelos monárquicos existentes em redor de Israel implicavam certa divinização do rei, e adotá-los supunha um risco de afastamento de Javé, o único e verdadeiro Senhor. O equívoco desfaz-se, no entanto, porque o próprio Senhor dá a sua aprovação. Tanto Saul como David (e, mais tarde, Salomão) são "ungidos" de Deus (ou seja, eram assistidos pelo Espírito Santo) e "obrigados" a manter-se submissos à sua vontade, pois Deus é o verdadeiro rei do povo.

A monarquia israelita só foi consolidada no reinado de Davi, que conseguiu estabelecer a paz por tempo suficiente para organizar administrativamente o reino e estabelecer a capital, Jerusalém, que passa a ser um dos sinais de identidade mais importantes do judaísmo. Estes aspectos são intencionalmente destacados em diversas passagens (2 Sm 5; 6; 24,18-25).

O profeta aparece como elemento limitador do poder do Rei; é a memória constante do senhorio de Deus. Face à tendência institucional (2 Sm 7), significa o elemento carismático; e, perante a pretensão absolutista do poder, assegura a consciência crítica (2 Sm 12). Samuel e Natã encarnam, de maneira especial, essas funções.

Samuel, o último dos juízes, foi um filho dado por Deus a uma mulher estéril, Ana (1Sm 1). Na Bíblia, os filhos de promessas sempre têm uma missão particular (ex. Isaac, Sansão, João Batista). Samuel tem uma função decisiva na história da instituição da realeza (1 Sm 8-12) e ungiu o primeiro rei de Israel.

Saul, o primeiro Rei de Israel, escolhido por Deus, precisou enfrentar invasões de inimigos estrangeiros durante quase todo o seu reinado. Por sua desobediência (1Sm 13, 8-15,15,10-23), foi rejeitado por Deus e passou a perseguir Davi, jovem da tribo de Judá e amigo de seu filho Jônatas, que tinha sido escolhido por Deus para sucedê-lo (1Sm 16). Saul parece ter sofrido de doença psíquica, que lhe tirava a paz.

Davi, por sua vez, “[…] é um personagem complexo, que atravessou as mais diversas experiências fundamentais da vida. Jovem pastor do rebanho paterno, passando por alternadas e às vezes dramáticas experiências, ele se converte em rei de Israel, pastor do povo de Deus. Homem de paz, combateu muitas guerras; incansável e tenaz buscador de Deus, traiu o amor e isso é uma característica sua: sempre foi um buscador de Deus, ainda que tenha pecado gravemente muitas vezes; humilde e penitente, acolheu o perdão divino, também o castigo divino, e aceitou um destino marcado pela dor.” [1]

Davi era um “orante apaixonado” (2Sm 12,20; 15,25s), que sabia suplicar e louvar, sendo-lhe atribuída a autoria de muitos dos Salmos, verdadeiras obras primas de poesia religiosa. A este “homem conforme o coração de Deus” (1 Sm 16,13), é feita a promessa, por meio do profeta Natã (2Sm 7, 1-17), a partir da qual se fundou a esperança messiânica: “Teu trono será firme para sempre” (2Sm 7,16). O Novo Testamento se refere a estas promessas feitas à Casa de Davi por três vezes: At 2,30; 2Cor 6,18; Hb 1,5. É possível enxergar em Davi uma antecipação do mistério de Cristo, eleito para a salvação de todos, rei do povo espiritual de Deus.

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de 1 e 2 Reis. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; Curso Bíblico Catequisar.com.br (Samuel). Notas: [1] S.S. Bento XVI, Catequese do dia 22-VI-2011 (ZENIT)

Catequese Bíblica (V): Juízes e Rute

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, prosseguimos na análise dos livros históricos, examinando o livro de Juízes (Jz) e Rute (Rt).

Para compreender o livro dos Juízes (Jz), precisamos entender o contexto histórico, político e social de Israel na época a que se refere. Josué havia morrido sem deixar sucessor. Após a conquista de Canaã, os israelitas trocaram a vida nômade pela vida agrícola e sedentária. As tribos de Israel tinham se estabelecido em seus territórios, mas não havia governo central, ou seja, o único vínculo que as unia era a religião. Cada tribo em seu território tinha seus próprios interesses e problemas – o que dava lugar ao individualismo e criava um clima favorável às invasões dos povos estrangeiros.

A convivência com os pagãos levou a um sincretismo religioso; os israelitas passaram a prestar culto e homenagem aos deuses cananeus – Baal, Aserá e Astarte – que, assim acreditavam, garantiam a fertilidade das colheitas e a fecundidade dos rebanhos. Mesmo quando cultuavam ao Senhor, os israelitas passaram a fazê-lo nos bosques, nas colinas, junto às fontes (Jz 6,25.31; 8,33; 9,4), assim como faziam os cananeus com suas divindades.

Deus então suscitou juízes em Israel, chefes de tribo, dotados por Deus com especial força e carisma, para libertarem suas tribos de ataques estrangeiros e julgar as causas e litígios da população. São apresentados no livro doze juízes, um para cada tribo; destes, seis são tidos como “maiores”, pois suas histórias são contadas com mais detalhes, e seis são chamados “menores”, pois pouco se sabe a respeito deles.

As histórias dos juízes maiores são narradas segundo uma fórmula proposta em Jz 2, 11-19, que consiste em: os israelitas são infiéis ao Senhor, que os entrega na mão de invasores; os israelitas se arrependem e invocam o Senhor, que então suscita um juiz ou Salvador, que liberta o povo do domínio estrangeiro, garantindo um período de paz. O autor sagrado assim ensina que a opressão é castigo da impiedade e que a vitória é consequência do retorno a Deus, princípio que deriva da ausência de uma noção de vida após a morte. A Carta aos Hebreus apresenta os êxitos dos Juízes como a recompensa de sua fé, propondo-os como exemplos para o cristão, que deve rejeitar o pecado e suportar com valentia a provação a que é submetido (Hb 11,32-34; 12,1).

Os principais Juízes são Gedeão (Jz 6-8), Jefté (Jz 11-12) e Sansão (Jz 13-16).O livro cobre um período de quase duzentos anos, que vai aproximadamente de 1200 a 1050 aC, ou seja, da morte de Josué até o primeiro rei de Israel, Saul.

Sansão (Jz 13-16) tinha feito votos de consagração total a Javé (nazireato, Jz 13, 3-5), o que incluía a obediência a uma série de preceitos, incluindo a proibição de cortar os cabelos (Nm 6, 1-21). Enquanto ele permaneceu fiel a esta consagração, mantendo a longa cabeleira, o Senhor lhe dava força para vencer qualquer inimigo; quando entregou o segredo a Dalila, mulher estrangeira, traiu seus votos e ela cortou-lhe os cabelos, sinal de infidelidade interior de Sansão. Em consequência, o Senhor já não deu o herói a força necessária para o combate, vindo ele a perecer nas mãos dos filisteus.

O livro de Rute (Rt) traz a história, que se passa no tempo dos Juízes, da moabita que havia sido desposada por Maalon, filho de Elimelec, nascido em Belém (de Judá) e emigrado para Moab, em razão de uma fome que assolava sua cidade natal. Falecendo o marido e o sogro, acompanhou Noemi, sua sogra, de volta a Belém, onde, para sobrevivência, pôs-se a catar espigas no campo de Booz, vindo a descobrir que este era parente de Elimelec. Rute abraçou a fé isrealita e terminou por desposar Booz, que estava obrigado a tomar, por mulher, a viúva de seu parente mais próximo sem filhos (levirato). De Booz e Rute nasceu Obed, pai de Jessé, pai do Rei Davi.

Rute é citada como modelo de conduta filial e de fidelidade, em especial a sua fala a Noemi, sua sogra: “Aonde fores, eu irei; aonde habitares, eu habitarei. O teu povo é o meu povo, e o teu Deus, meu Deus.” (Rt 1,16).

O objetivo principal do livro é mostrar como a confiança posta em Deus é recompensada, e como a sua misericórdia se estendeu até mesmo sobre uma estrangeira. O ensinamento perene da narrativa é a fé na providência e a universalidade da salvação – o que é reforçado pela inclusão de Rute na genealogia de Cristo (Mt 1,5).

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de Samuel. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB.

Catequese Bíblica (IV): Josué

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

 

Caríssimos Irmãos,

Dando continuidade ao nosso estudo bíblico, iniciamos hoje o estudo dos livros históricos, examinando o livro de Josué (Js), cujo nome quer dizer “Javé é Salvação” (Js 1,9).

Quando Moisés, perto de morrer, pediu ao Senhor que indicasse o seu sucessor, Deus designou Josué, para a árdua tarefa de governar o povo, o que compreendia zelar pela observância da Lei, introduzir o povo na Terra Prometida e distribuí-la entre as tribos. Josué já havia sido apresentado no Pentateuco: era filho de Nun, da tribo de Efraim, foi escolhido por Moisés como seu servidor quando ainda era jovem (Ex 24,13; 33,11; Nm 11,28;13,8); acompanhou Moisés ao Monte Sinai (Ex 24,13; 32,17); conduziu os homens do povo em batalhas, tendo se destacado na vitória contra os amalecitas (Ex 17, 8-16) e tomou parte na expedição de reconhecimento de Canaã (Nm 14,38). Um líder enérgico, tenaz e prudente, é citado várias vezes como exemplo de fé íntegra, motivo pelo qual foi um dos únicos homens que, tendo saído do Egito, entrou na Terra Prometida (Nm 14,30.38; 26,65; 32,12).

Pode-se dizer, no entanto, que o foco principal do livro de Josué é a Terra Prometida, figura da Graça: dada por Deus, mas conquistada pela espada pelas tribos, já que Deus concede o dom, mas não suprime a liberdade nem prescinde da iniciativa do homem. A graça não é um dom paternalista de Deus para um homem passivo: é fruto do dom e da atitude livre e responsável do homem em relação ao mesmo dom: a aceitação, posse e correspondência.

Em Josué, como no Êxodo, há preocupação com o contexto histórico, mas o propósito não é documentar a história, mas sim interpretar os fatos de forma a reafirmar a fidelidade de Deus às promessas e a necessidade de o povo observar a Aliança (Js 1, 6-9; 23s). Para mostrar que Deus intervém diretamente na história do povo, são narradas episódios, como a tomada de Jericó após o cerco (Js 6) e a batalha de Gabaon, em que choveu granizo e Josué “deteve o sol” (Js 10, 10-15). Importante ter em mente que nesta época não havia ainda surgido a crença na ressurreição dos mortos, portanto os israelitas acreditavam que Deus dava a retribuição ainda nesta vida segundo a fidelidade de cada um: aos justos, bênçãos, aos ímpios, a maldição.

Logo após uma introdução (1, 1-18), o livro prossegue narrando a ocupação de Canaã – detalhando a entrada (2, 1-5,12) e tomada do território (5, 13 – 12,24), um processo nem sempre pacífico, e a distribuição da terra entre as tribos de Israel (13, 1-22, 34), bem como a renovação da Aliança com Deus (23, 1- 24, 33).

As descrições das batalhas podem chocar o homem moderno pela sua brutalidade. Há que se considerar que, no estágio pouco evoluído em que se encontrava a cultura da época, cada povo julgava que, na guerra, a honra dos seus deuses estava em jogo; uma derrota militar representava vergonha e escárnio para os deuses da nação vencida, assim como a vitória significava triunfo da divindade. No caso do povo hebreu, guardião da verdade da fé, havia o perigo de sofrer influência dos costumes pagãos, o que causaria prejuízo à fé de Israel. Os inimigos de Israel eram tidos como inimigos de Javé (Nm 10,35; Ex 17,16). O povo judeu achava que o próprio Deus exigia o hérem (Js 10,40), um ato de extermínio total dos homens, as famílias, as cidades e dos bens do povo vencido, prática considerada normal pelos antigos. Esta mentalidade foi respeitada a princípio por Deus em suas relações com Israel, a fim de que o povo não rejeitasse a Revelação, e corrigida, aos poucos, até Jesus Cristo revolucioná-la totalmente, ao ensinar o amor pelos inimigos, com vista a uma recompensa nos céus (Mt 5,44; sermão da montanha).

Importante destacar a figura de Raab, prostituta habitante em Jericó, que esconde em sua casa os espiões de Josué, ao mesmo tempo em que pede por sua vida e pela de todos de sua casa (Js 2, 1-24; 6, 22-25). Raab faz uma profissão de fé, revelando uma resposta exemplar à fidelidade de Deus. Poupada com sua família pelos israelitas, passa a viver em seu meio e posteriormente vem a ser a mãe de Boaz, bisavô do Rei Davi, sendo uma das quatro mulheres pagãs que Mateus inclui na genealogia de Jesus (Mt 1), simbolizando a universalidade da salvação.

Mais uma vez, é possível enxergar aqui o mistério da graça: a fé nos é dada por Deus, mas não dispensa uma resposta da humanidade.[1] Ela é salva pela fé (Hb 11,31), justificada pelas obras (Tg 2,25), integrada ao povo de Deus. Mais tarde, Orígenes e São Cipriano de Cartago enxergariam em Raab a imagem da Igreja, fora da qual ninguém pode perseverar.

No próximo Domingo prosseguiremos no estudo dos livros históricos pelo exame dos livros de Juízes e Rute. O texto desta catequese será disponibilizado na internet, na Página da paróquia no Facebook, junto com os demais.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; “O extermínio de inocentes na Bíblia” – Prof. Felipe Aquino. Notas: [1] S.S. Bento XVI, Hom 17-XII-2009.

Catequese Bíblica (III): Levítico, Números e Deuteronômio

Textos lidos na Paróquia Sâo Dimas, em Padre Miguel, Rio de Janeiro, antes das Missas dominicais.

Caríssimos Irmãos,

Finalizaremos hoje o estudo do Pentateuco, com a análise dos livros do Levítico, Números e Deuteronômio. Renovamos o convite para que todos tragam suas Bíblias, a fim de acompanhar as remissões.

O Levítico (Lv), terceiro livro do Pentateuco, apresenta as leis para o culto (Lv 1,1-10,20), a serem seguidas pelos sacerdotes, e também procura ensinar ao povo o caminho da santidade de vida, como meio de levá-lo a uma comunhão com o Deus vivo. Sendo Deus santo, Israel, que Ele escolheu como o seu povo, deve também ser santo (Lv 19,2).

Ao lermos este livro, devemos levar em conta que o conceito de santidade dos israelitas é, neste ponto, ainda imperfeito, baseado em atitudes exteriores, mediante a observação de diversas prescrições. O contexto histórico é importante para que possamos compreender algumas das leis estabelecidas, como por exemplo, a “lei de talião – dente por dente, olho por olho” (Lv 24,17-20) que era, na realidade, um progresso em relação ao costume da época, que era de vingar um mal sofrido causando-se um mal sete vezes maior.

No Novo Testamento, em passagens da apresentação do Menino Jesus no Templo e da cura do leproso, em que Jesus ordena que se apresente ao sacerdote (Lv 14, 2-32), é possível observar que as prescrições do Levítico ainda estavam em pleno vigor. Entretanto, os sacerdotes e os “doutores da lei” haviam transformado o relacionamento com Deus em um ritualismo vazio, o que foi, de fato, alvo das críticas de Nosso Senhor.

O sacrifício único de Cristo tornou desnecessário o cerimonial do antigo templo (Hb 10, 1-10), mas é importante ver no Levítico, antes de tudo, a proposta de um povo que se sente eleito por Deus, e impressiona-se com Sua grandeza e perfeição, procurando, então, honrá-Lo com o culto mais perfeito possível (pureza ritual) e servi-lo com a máxima fidelidade (pureza moral).

Números (Nm) tem este nome pois narra dois recenseamentos do povo de Israel realizados no deserto. Está intimamente ligado ao livro do Êxodo.

Ao longo do percurso pelo deserto, Israel deixa de ser um bando desorganizado de nômades libertado do Egito e vai ganhando uma consciência nacional e religiosa, e, ao mesmo tempo, vai fazendo também uma caminhada espiritual. O livro mostra que a essência de Israel é ser um Povo reunido à volta de Deus e da Aliança. O deserto é o lugar em que Deus habita e caminha com seu povo, mas é também o lugar do pecado, da ingratidão, da revolta contra Deus, quando o povo não consegue perceber Sua presença e duvida de Seu amor.

Deus demonstra sempre a sua misericórdia para com o povo, mesmo quando lhe é infiel, como se verifica do episódio da “serpente de bronze” (Nm 21), no qual o quarto evangelho enxergou uma prefiguração do sacrifício de Cristo (Jo 3,14).

O Deuteronômio (Dt) (deuteron=segundo; nomos=lei) consta de cinco sermões atribuídos a Moisés que recapitulam a lei (1,1-4,43; 4,44-11,32; 12,1-28,68; 28,69-30, 20; 31,1-29) e da narração do fim da vida de Moisés (31, 30-34,12). Tais sermões consistem, basicamente, em exortações dirigidas ao povo a fim de reconhecer a ação divina na história humana, celebrá-la na liturgia e a corresponder ao amor de Deus, acatando suas exigências de ordem moral e social.

O Deuteronômio continua a desenvolver a teologia da eleição, já presente nos livros anteriores: Deus fez, gratuitamente, a sua aliança com o povo de Israel (Dt 4, 37; 7,7s; 10,14s), entregando-lhe, como dom, o Decálogo (CIC §2077), cuja perenidade é atestada por Jesus (Mt 19, 16-17). Contudo, enquanto o Êxodo evidencia a distância existente entre Deus e o homem (Ex 33,20), o Deuteronômio mostra um Deus próximo de seu povo (Dt 12,5 – Ez 48,35). O Deuteronômio traz a oração do shemá (“Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5)

O amor a Deus sobre todas as coisas é apresentado como o “maior e primeiro mandamento” (Mt 22, 35-39). “Jesus uniu — fazendo deles um único preceito — o mandamento do amor a Deus com o do amor ao próximo, contido no Livro do Levítico: « Amarás o teu próximo como a ti mesmo » (Lv 19, 18; cf. Mc 12, 29-31). Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um «mandamento», mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro.”[1]

No próximo Domingo iniciaremos o estudo dos livros históricos pelo exame do livro de Josué. Lembramos que os textos destas catequeses estão sendo disponibilizados na internet, na Página da paróquia no Facebook.

Fontes: Bíblia Sagrada Ed. Vozes; Bíblia de Jerusalém; Curso Bíblico – Escola Mater Ecclesiae – Pe. Estêvão Bettencourt OSB; Dehonianos.org (Roteiro Homilético para a Festa da Exaltação da Santa Cruz – Ano A). Notas: [1] Carta Encíclica Deus Caritas Est, nº1